segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Exposição no Museu de Arte do Rio de Janeiro: “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas"


Exposição
"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas"

De 26/08/14 à 15/01/15
MAR - Museu de Arte do Rio
Praça Mauá, 5, Centro
Rio de Janeiro/RJ/Brasil
CEP 20081-240

Fone: (21) 3031 2741

“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas"

Arte e Sociedade no Brasil 2

Como a arte se envolve com a educação? Em suas origens, o acesso aos museus e à escola era reservado aos estratos sociais dominantes e circunscrito à formação e ao lazer das elites. No Brasil, apenas no pós-guerra os museus ampliaram sua abertura para a sociedade e a consciência de seus deveres de acessibilidade e universalidade. A arte incide sobre a agenda política dos museus, marcada por um déficit de direitos sociais não atendidos, enquanto a sociedade se apresenta cada vez mais complexa.

Esta é a segunda mostra da série Arte e Sociedade no Brasil, que lança hipóteses sobre os desafios enfrentados pela educação, pela arte e pelo museu. Os artistas que integram a exposição propõem modelos para pensar o potencial da educação. Homenageia-se a artista Anna Bella Geiger, que há décadas discute dispositivos como cartilhas, atlas e métodos de leitura a partir das relações transculturais. Ela própria foi aluna do educador Anísio Teixeira.

Obras de arte, documentos e projetos educacionais debatem os sentidos da educação e do lugar dito escola. O pacto crítico da produção artística com a educação está aqui concentrado em quatro núcleos: (1) teoria, com foco em Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire; (2) processos, que documenta experiências da prática educacional; (3) dispositivos, que discute as dimensões de poder das estruturas educacionais; e (4) linguagem, que explora a relação entre fazer artístico, fala e escrita como campo de reconhecimento das diferenças.

Janaina Melo e Paulo Herkenhoff, curadores

O setor de educação do MST foi convidado a participar e é com muito orgulho que convidamos aqui todas e todos vocês a comparecerem e prestigiarem essa linda iniciativa!

"(...) No MAR, não fazemos vernissage, senão abrimos o Museu já com a mostra nova para todo público visitante. É um dia festivo já que na exposição organizamos as Conversas de Galeria com artistas, curadores e público. A ideia é conversar com o público na galeria, olhando para os trabalhos. É um percurso informal pela exposição, um bate-papo gostoso que contribui imensamente para o entendimento da exposição e para a aproximação do público e das diversas equipes do Museu que costumam acompanhar as conversas.” (...)

O bate-papo contará também com: Paulo Herkenhoff, Janaina Melo, Dennis Stenos-Possidente, Ana Chaves (equipe curatorial e de pesquisa da mostra)

Saiba mais na página do MAR, clicando aqui.

Reproduzido de compilado de Facebook do Sem Terrinha/RJ e página do Mar
25 ago 2014

Conheça o poema de Rubem Alves:

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

sábado, 23 de agosto de 2014

As crianças, os pais, a educação e a falácia do “deixar fazer o que quiser”


As crianças, os pais, a educação e a falácia do “deixar fazer o que quiser”

Renata Penna

Poucas coisas parecem ter caminhado tão pouco, e tão preguiçosamente, quanto a educação, e o olhar da sociedade sobre as crianças, suas necessidades e direitos. Não é raro ouvir de pessoas supostamente esclarecidas discursos como “criança precisa de disciplina, precisa saber quem é que manda”, “criança precisa aprender a obedecer”, ou “os pais modernos acham que não tem que educar, tem que deixar a criança fazer tudo o que quiser, do jeito que quiser, na hora que quiser”. Quantos equívocos!

Nos últimos anos, até por força do início da vida escolar das minhas filhas, envolvi-me um bocado com debates a respeito da educação formal, do papel dos pais e dos professores na formação da criança, das questões de autoridade, hierarquia, autonomia, disciplina, liberdade e aprendizado. Temas fascinantes, que não pretendo esgotar nesse texto, nem poderia. Mas arrisco-me a pincelar algumas reflexões.

Começo dizendo que, da forma como entendo, educar uma criança para a liberdade e a autonomia, respeitando seus tempos e necessidades e concedendo-lhe voz e direito de se manifestar tanto na concordância quanto na discordância, não tem absolutamente nada a ver com “deixar fazer o que quer”. Tem a ver com dispensar as hierarquizações desnecessárias, abrir mão da muleta da autoridade vazia, não dar carteirada, não lançar mão do discurso oco do “eu mando e você obedece”. Tem a ver com abrir-se para ouvir o que a criança tem a dizer, olhá-la com respeito, permitir-lhe a responsabilidade de decidir coisas com as quais já pode arcar, compreendê-la como um ser humano inteiro, com direito de manifestar-se, de reivindicar o que lhe parece importante, de ir contra o que não compreende, de exigir que lhe expliquem e desejar compreender o que lhe é dito.

“As crianças de hoje não sabem mais obedecer”, dizem os críticos das novas formas de encarar a educação das crianças. Bem, será que isso é ruim? Estamos vendo nascer uma geração de crianças que não obedecem mais, assim simplesmente, por obedecer, ao ouvir a voz de comando. Eles querem compreender porque é que devem seguir uma orientação, querem opinar a respeito, querem ajudar a construir as regras, querem participar das decisões. Com isso, estamos vendo nascer uma geração que talvez saiba se responsabilizar melhor pelas escolhas feitas, por delas haver participado, do que a anterior, que sabia obedecer muito bem, mas não fazia a menor ideia do porque.

Estamos vivendo, nós, os pais desta nova geração, uma incrível quebra de paradigmas: convivemos, orientamos e temos a responsabilidade sobre crianças que não aceitam mais, cabisbaixas, como faziam seus pais e avós, o “porque é assim e pronto”, “porque eu mando”, ou similares. E sinceramente? Que bom! Porque podemos fazer melhor do que isso, não acham?

Os educadores acostumados à educação tradicional tremem diante das novas alternativas, que quebram com a hierarquia escolar e elevam o aluno à condição de protagonista de seu aprendizado, ao invés de enxergá-lo como mero receptáculo de conteúdo. E eu os compreendo: mudar não é fácil. Exige de professores, pais, alunos – exige de todos, em coragem e comprometimento verdadeiro com esta nova realidade.

Fala-se muito sobre a famigerada “indisciplina” nas escolas. Culpa, na teoria, dos pais, que não estariam exercendo sua autoridade, o que confere aos alunos a crença de que não existem limites, e de que podem fazer tudo o que querem. Discordo, com veemência. Em primeiro lugar, porque respeitar as crianças em sua autonomia e dar-lhes liberdade para exercerem sua individualidade, respeitar seus tempos, curiosidades e desejos, e conceder-lhe voz ativa na discussão dos caminhos a serem trilhados, na vida como na escola, não tem nada a ver com “deixar fazer o que quiser”. Deixar fazer o que quiser poderia ser relacionado a uma tremenda ‘preguiça educacional': não quero debater, não quero refletir, não quero gastar meu tempo com qualquer tipo de orientação, portanto deixo ‘fazer o que quer’. Conceder liberdade, autonomia e voz à criança e ao aluno, muito ao contrário, é trabalhosíssimo: envolve a disposição da escuta, que valoriza o que a criança/aluno tem a dizer; envolve o respeito aos tempos e necessidades individuais, o que nos obriga a constantemente reelaborar e repensar caminhos e possibilidades, de maneira que o aprendizado e as caminhadas da vida sejam proveitosos para todos; envolve abrir mão da confortável hierarquia que nos concede o direito de vociferar “porque sim”, e obriga a pensar a respeito das orientações, a buscar porquês, a compreender a que serve tomar esta ou aquela direção. Entre exercer a autoridade do ‘porque sim’, deixar a criança fazer o que quer, ou educar para a autonomia, não tenho a menor dúvida de que esta última opção será, de longe, a mais trabalhosa.

Além do mais, se observarmos cuidadosamente perceberemos que a tal da “indisciplina” é, no mais das vezes, um pedido de socorro: “olhem-me! reparem naquilo que me é particular, compreendam minha forma de ver o mundo e ajudem-me a compreender a forma de ver o mundo daqueles que estão ao meu redor”.

Lembro de uma reunião na escola das minhas filhas – uma escola democrática, uma iniciativa totalmente inovadora e de vanguarda – em que, entre pais, alunos e educadores, comentávamos sobre esta dificuldade: como educar uma nova geração para uma liberdade que nós mesmos desconhecemos, para a qual nós mesmos não fomos preparados? Nossa geração não foi educada para a autonomia, para a igualdade, para o respeito às diferenças. Muito ao contrário: uns mais, outros menos, mas em algum grau fomos todos educados para obedecer, para respeitar as organizações hierárquicas, para encaixar-nos no padrão determinado, para deixar-nos colocar em escaninhos etiquetados. Precisamos, portanto, não apenar ensiná-los a serem livres e autônomos, mas aprender também a sermos, nós mesmos, capazes de vestir esta mesma liberdade, esta mesma autonomia.

Isso talvez seja o mais bonito das novas iniciativas da educação: não há mestres, não há aprendizes – ou melhor, há mestres que são também aprendizes, há aprendizes que são também mestres, e os papéis se misturam e se confundem a todo momento, em uma experiência fluida e contínua em que todos ensinam e aprendem juntos, em uma construção coletiva de novas possibilidades.

Só alcançaremos uma nova educação, libertária de fato, que realmente prepare para a autonomia, quando abrirmos mão dessa visão limitada que, inacreditavelmente, ainda é tão comum no século XXI: a de que a criança é um ser que necessita ser dominado, domado, domesticado, adaptado a aquilo que esperamos dela. Não, não é. A criança é um ser único, como somos todos. A grande diferença é que nós nos acostumamos a ser desrespeitados em nossa unicidade – ela, ainda não.

Se ela aprenderá conosco a se adaptar, ou se nós aprenderemos com ela a nos libertar, é o que nos cabe decidir. E essa decisão urge, mais do que nunca.

Reproduzido de Uma vez mamífera
22 ago 2014


Foto Mamífera: Renata Penna ©