A cultura popular é uma chance de se ter uma segunda infância
Filme “Tarja Branca” propõe revolução
pela brincadeira
Filme discute importância das
atividades lúdicas e defende que brincar pode ser a cura para muitos males do
mundo moderno
Por Xandra Stefanel
Especial para RBA
18/06/2014
É raro
encontrar algum adulto que não se comova ao ver a beleza das crianças
brincando. Por um instante, bate saudades da leveza do mundo lúdico que
geralmente povoa o universo infantil. Mas isso logo passa, afinal, crescer traz
grandes responsabilidades e não se pode perder tempo com coisas que não são “sérias”. É exatamente isso que o
documentário Tarja Branca - A Revolução que Faltava questiona. O
longa-metragem dirigido por Cacau Rhoden com produção de Maria Farinha Filmes.
Com um
roteiro impecável, o filme intercala saborosas imagens de brincadeiras e de
manifestações populares brasileiras com entrevistas com artistas,
pesquisadores, psicólogos, psicanalistas, terapeutas, pedagogos, etnomusicólogo
e brincantes em geral. Os depoimentos de José Simão, do multiartista Antonio
Nóbrega, do escritor Marcelino Freire e do músico e ator Wandi Doratiotto se
equilibram com os depoimentos de estudiosos e pesquisadores e de personagens
comuns que brincam a cultura popular, como é o caso de Geraldo Antonio da
Silva, capitão da Congada Guarda de Moçambique, de Belo Horizonte.
A trilha
sonora, composta de cirandas, maracatus, cocos, sambas e outros ritmos nacionais
faz um casamento harmonioso e emocionante com a fotografia de Janice D'Ávila. O
conjunto da obra leva ao espectador a compreensão do tema pelo sentimento, mais
do que pela razão. Impossível não se identificar com as histórias e
brincadeiras apresentadas e não lembrar das cores brilhantes que devem fazer
parte da vida de todas as crianças. Mais que isso, improvável não se
questionar: “Quando é que deixei de
brincar e por quê?”
Do início ao
fim, a montagem de André Finotti conduz o espectador à esta reflexão por meio
de um ritmo orgânico, que evolui sem que se perceba, naturalmente, sem forçar a
barra. Assim como as brincadeiras. O casamento que documentário promove entre
as brincadeiras e as manifestações culturais típicas brasileiras é comovente,
além de fazer todo o sentido. “A grande
riqueza da cultura popular é que ela é a chance de você ter uma segunda
infância”, afirma a coreógrafa Andrea Jabor, entrevistada num Rio de
Janeiro ensolarado tendo ao fundo o deslumbrante Morro Dois Irmãos.
A impressão
que se tem quando o filme acaba é que a equipe viajou pelos rincões do Brasil
todo para captar a beleza e alegria de um povo brincante com o objetivo de
alertar sobre importância de não deixar a brincadeira morrer, especialmente as
grandes cidades, onde há cada vez menos espaço para o lúdico. “Tem gente que morre e que uma ou duas
cordas foram acionadas. As outras ficaram em silêncio a vida toda. É no brincar
que você dedilha a lira inteira”, lamenta Lydia Hortélio, professora e
pesquisadora de música tradicional da infância.
Na ânsia de
preparar as crianças para o futuro, os pais estão cada vez mais se esquecendo
do tempo sagrado das brincadeiras, a principal base da infância. Há cada vez
menos um equilíbrio entre o aprendizado formal e o aprendizado por meio do
lúdico. “A criança, com 4, 5, 6 anos, já
aprende balé, inglês, sapateado... É muita coisa que se enfia na cabeça. Daí
vai crescendo um adulto muito preocupado”, aponta o músico e ator Wandi
Doratiotto.
“Não adianta ter a forma e não ter
conteúdo. E o conteúdo, para mim, vai ser encontrado no brincar, nesse tempo
livre, justamente quando ela está em contato com a cultura, com a comida, com a
dança, com o teatro. É isso o que vai fazer essa alma ficar cheia. Tirar o
tempo livre de recreio, o pouco contato que ela possa a ter com a natureza é o
maior pecado que a gente está cometendo com a criança”, afirma a pedagoga Ana Lucia Villela,
que diz se sentir profundamente triste ao constatar que 9 entre 10 crianças das
grandes cidades preferem ir ao shopping a brincar.
O
documentário prega que o prazer da brincadeira deve ser estimulado desde cedo
para que, quando adulta, a pessoa continue brincando e saiba buscar a
verdadeira felicidade. “Pergunte ao
poeta se ele pode não escrever. Se a resposta for 'sim', abandona essa m* e se
dedica a qualquer outra coisa. Se a resposta for 'não', então você será um
poeta e um escritor, vai escrever e escrever cada vez melhor. Pronto. Isso é ir
atrás do seu próprio desejo. Isso é brincar. A única solução para nós é
fazermos o que gostamos. Se formos pagos por isso, melhor, mas é secundário”,
opina o psicólogo argentino Ricardo Goldenberg.
Para Lydia
Hortelio, a solução para muitos problemas da sociedade vêm junto com crianças
brincantes. “Eu estou pela revolução que
falta, que é esta revolução da criança. É isso que vai nos tirar deste
mal-estar, dessa tristeza generalizada que a gente vê nas pessoas, essa falta
de alegria que a gente está vivendo”, afirma e vai além: “A gente está vendo a rebeldia das crianças
nas escolas, o número de crianças encaminhadas para terapeutas e a escola sem
poder resolver a questão da violência. E a violência está aí porque as pessoas
foram violentadas na sua capacidade de ser gente”, afirma Lydia.
Pião, bolinha
de gude, pipa, carrinho de lata, cantigas de roda. Para a criança, é simples
ser feliz em um mundo de brincadeira. Por que, então, depois de adultas, as
pessoas acham vergonhoso brincar? “Quem
brinca é mais feliz. Ponto. Eu não tenho dúvida. E eu acho que é o grande
lance. Todo mundo quer ser feliz. Tudo bem, você quer ter dinheiro, ter
conforto... Mas fundamentalmente, o que a gente quer? Felicidade”, diz
Andrea Jabor.
Reproduzido
de Rede
Brasil Atual
18 jun 2014
Tarja Branca – A revolução que Faltava
Documentário,
Brasil, 2014, 80’
Brincar é um
dos atos mais ancestrais desenvolvidos pelo homem, tanto para se conhecer
melhor quanto para e se relacionar com o mundo. Mas o que esse ato tão
primordial pode revelar sobre nós, seres humanos, e sobre o mundo em que
vivemos? Por meio de reflexões de adultos de gerações, origens e profissões
diferentes, o novo documentário da Maria Farinha Filmes, dirigido pelo Cacau
Rhoden, discorre com pluralidade sobre o conceito de “espírito lúdico”,tão
fundamental à natureza humana, e sobre como o homem contemporâneo se relaciona
com esse espírito tão essencial.
Diretor: Cacau
Rhoden
Produtora: Maria Farinha
Filmes
Produção
Executiva: Estela Renner, Luana Lobo e Marcos Nisti
Fotografia: Janice
d’Avila
Montagem e
Finalização: André Finnoti
Produtor
Musical: André Caccia Bava
Edição e
Mixagem: Miriam Biderman
Reproduzido de Ciranda de Filmes
22 jun 2014
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