Escola cria conselho formado por alunos
de quatro e cinco anos e estimula protagonismo de crianças na gestão escolar
Experiência da EMEI Dona Leopoldina, na
região oeste da cidade de São Paulo, coloca em prática demandas levantadas em
conselho formado por alunos de educação infantil
Escola com cara
de criança. Essa é a primeira impressão quando se entra na Escola Municipal de
Educação Infantil (EMEI) Dona Leopoldina, no bairro Vila Leopoldina, na região
oeste da cidade de São Paulo. Além dos ambientes marcados pelas produções de
seus alunos de quatro e cinco anos, a unidade de educação infantil chama a
atenção pela experiência que tem desenvolvido desde o início do ano de 2012: um
conselho deliberativo formado pelas crianças que tem mudado a rotina e as
decisões na gestão da escola.
A primeira
reivindicação que surgiu no chamado Conselho de Criança, acatada pela direção
da escola e por seu Conselho Escolar, foi o fim da obrigatoriedade de os alunos
dormirem após o horário de almoço. “Essa foi a primeira coisa que as crianças
falaram. Conversamos com os professores e com os pais e, após quinze dias,
ninguém mais era obrigado a dormir. E, com isso, começamos a programar para o
período da tarde brincadeiras, pinturas e atividades que as crianças sentiam
mais prazer em participar”, explicou a coordenadora pedagógica da EMEI, Iveline
Zacharias.
Em entrevista
ao portal De Olho nos Planos, a coordenadora e a diretora da escola,
Márcia Harmbach, destacaram a importância do conselho na valorização e no
protagonismo dos alunos. “A instituição do Conselho é uma forma de entender que
eles são inteligentes e que têm consciência do que falam. O que mais mudou foi
quanto ao protagonismo, no sentido de a criança ver que é possível colocar em
prática o que ela demandou”, afirmou Márcia. Segundo a diretora, após a
instauração do conselho, “os alunos passaram a aprender mais, se engajaram nas propostas
das professoras com mais facilidade e se tornaram mais questionadores e
críticos, vendo a escola como um todo”.
Além de
eliminar o horário de dormir, o Conselho de Criança da EMEI Dona Leopoldina
conquistou, por exemplo, a compra de novos brinquedos, a reformulação da quadra
e a adaptação dos balanços para as crianças com deficiência. “Os estudantes
possuem uma ótica diferente da do adulto e que precisa ser levada em
consideração. A criança é produtora de cultura, autora, competente, sujeito de
direito e tem suas próprias visões de mundo”, ressaltou a diretora.
Márcia alerta
para o fato de que os adultos, por exemplo, costumam falar das crianças como se
elas não estivessem presentes, sem estabelecer um diálogo direto e sem
respeitar seus pontos de vista. “Nosso trabalho é justamente fazer com que as
pessoas que estão conosco falem com a criança. E, por isso, temos rodas de
conversa também com os pais uma vez por mês”, destacou.
Outra
iniciativa realizada desde 2012, o projeto Repórter Mirim, proporciona que os
representantes do conselho possam viver a experiência de “mini-jornalistas”.
“As crianças fazem entrevistas, vídeos e fotos, quando as levamos à feira e
sempre que acontece algum evento diferente na escola”, explicou a coordenadora
Iveline.
O Conselho de Criança
Formado por um
menino e uma menina de cada uma das turmas da EMEI Dona Leopoldina, o Conselho
de Criança realiza duas reuniões mensais. Para estas reuniões, os
representantes levam os temas aos demais colegas de suas salas de aula e elaboram
coletivamente alguma produção, como desenho ou colagem, para que possam lembrar
no Conselho sobre o que foi discutido com os demais alunos.
Além do apoio
dos professores em sala de aula para conduzirem as discussões com o restante
das crianças, o Conselho conta com o acompanhamento da diretora, de sua
assistente e da coordenadora pedagógica da escola. “Uma de nós coordena a
reunião, a outra registra em vídeo ou foto e a terceira faz as anotações das
deliberações em papel”, explicou Iveline.
A coordenadora
relatou que, apesar de estar em bairro considerado nobre, a EMEI também atende
crianças de regiões mais vulneráveis e que são filhas de pessoas que trabalham
como empregadas domésticas ou porteiros de edifícios na região.
A partir de
experiência que desenvolveu enquanto gestora de escola em uma região mais
vulnerável da cidade e inspirada no trabalho
desenvolvido na cidade italiana de Reggio Emilia, a diretora Márcia iniciou
a proposta do Conselho de Criança na EMEI Dona Leopoldina com o objetivo de
evidenciar o que os estudantes gostavam ou não na escola. “Todo nosso projeto
se pauta na construção do espaço e do tempo para a criança. Toda vez que temos
um tema a ser trabalhado, fazemos uma reunião com os professores para que
saibam o que discutir com as crianças e para retornarem com as questões
trabalhadas”, disse Márcia.
Entre os temas
debatidos, a diretora conta que o Conselho de Criança já discutiu: culturas
infantis; espaços para viver a infância; formas de encantar a escola tornando-a
mais bonita, aconchegante e brincante; uso das verbas, o que comprar, para quê
e o que consertar; sugestões para festas, passeios e estudos do meio; solução
de problemas do cotidiano; alimentação; entre outros.
Desafios e perspectivas
O principal
desafio para instituir o Conselho de Criança em outras escolas, para Márcia, é
acreditar nas crianças e, não só transformar suas demandas em realidade, mas
trabalhar a escuta de suas opiniões pelos adultos. “Fala-se muito sobre o
trabalho do protagonismo dos estudantes. Mas como a criança vai ser
protagonista em um lugar que é gerido somente por adultos? Um dos caminhos para
mudar esta situação pode ser por meio do Conselho de Criança”, afirmou.
Para a
diretora, é importante fazer com que as autoridades também ouçam as demandas
das crianças: “essa experiência tem que se concretizar ainda mais e ser levada
ao Diretor Regional, ao Secretário Municipal de Educação e ao Prefeito. As
crianças precisam ser ouvidas em seu próprio espaço e são necessárias ações
mais efetivas para transformar suas demandas em políticas públicas”.
Um dos
principais obstáculos para a concretização do Conselho de Criança, segundo a
diretora, é a falta de condições de trabalho para as professoras, que sofrem
com casos de doença recorrentes. “A gente está lidando com muita pressão em
situações que uma professora é responsável por 30 crianças. Muitas delas passam
a ter problemas nas cordas vocais e as poucas condições de trabalho acabam
corroborando com o absenteísmo docente”, afirmou Márcia. E defendeu: “a
primeira coisa que precisamos fazer é diminuir o número de alunos por classe”.
Reproduzido de De
olho nos planos
06 jan 2015
Via Pedal - Pedagogias Alternativas no Facebook
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