Como as escolas transformam crianças em
adultos medíocres
Uma reflexão acerca do sistema
educacional que desperdiça talentos e faz do estudo um desprazer.
O mundo muda
cada vez mais rapidamente. Para transpor os novos desafios, precisa-se, mais do
que nunca, de pessoas que pensem criticamente e ajam proativamente. Pessoas
capazes de olhar para os problemas e conceber soluções. Capazes de analisar,
inovar, criar e reinventar.
Contraditoriamente,
não é esse tipo de pessoas que estamos formando.
Logo nos
primeiros anos de vida, inserimos as crianças em um sistema educacional que as
converte em adultos consumidores, e não criadores de conhecimento. Adultos que
deixam de explorar seus talentos para se enquadrar em padrões medianos. Adultos
que tiveram sua criatividade tolhida e seu pensamento crítico inibido. Adultos
que não buscam ideias e conhecimentos por conta própria.
Eis algumas
razões pelas quais o modelo educacional vigente é obsoleto e as sequelas
deixadas em cada um que passa por ele.
Ambiente escolar totalmente desfavorável
As escolas são
indústrias. Essa metáfora de Ken Robinson, um dos grandes especialistas em
educação da atualidade, talvez seja a que melhor descreve o funcionamento da
esmagadora maioria das escolas ao redor do mundo.
Assim como em
uma indústria, as escolas agrupam os seus alunos em lotes: as chamadas turmas.
Em uma sala de aula, cada lote passa por uma rotina repetitiva, na qual profissionais
especializados - os professores - desempenham seus papeis de maneira
departamentalizada, ensinando conteúdos isoladamente, mesmo que na verdade todo
o conhecimento esteja entrelaçado, e não segmentado em pacotes de disciplinas.
Sirenes tocam indicando que é hora da aula atual ser interrompida para dar
lugar à próxima. Quando os alunos já passaram por vários anos de repetições
diárias desse ciclo, recebem o rótulo de “formados”, o que significa que o lote
está pronto para ir para o mercado.
Infelizmente,
não para por aí. Além de fábricas, as escolas também possuem características de
presídios. Elas cerceiam a liberdade dos alunos. Todos têm hora para entrar,
hora para ir para o pátio e hora para sair. Há inspetores vigiando os
estudantes e punições - advertências, suspensões, expulsões - para os que
tiverem mau comportamento.
Esse conjunto
de medidas faz com que as escolas suprimam o desejo de aprender, ao invés de
despertar a curiosidade e estimular a inteligência. Tomando emprestada a
metáfora do fascinante educador Rubem Alves, pode-se concluir que as escolas,
em sua maioria, são gaiolas, quando na verdade deveriam ser asas.
Escolas que são gaiolas
existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados
são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde
quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros.
Porque a essência dos pássaros é o voo.
Escolas que são asas não
amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para
dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer,
porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode
ser encorajado.
Rubem Alves
O modus
operandi que norteia o funcionamento de praticamente todas as escolas é o
mesmo há muitas décadas. As poucas mudanças que aconteceram não foram de
caráter educacional, e sim cultural, como o surgimento das escolas mistas e o
fim dos internatos. Fora isso, as escolas em que você estudou seguem os mesmos
paradigmas das escolas em que seus avós estudaram. Salas de aula, lousas,
cadernos e a velha relação dual: “o professor ensina e o aluno aprende”.
Foco na memória, e não na habilidade de
pensar
Ao invés de
ensinar os alunos a pensar, as escolas os obrigam a digerir grandes quantidades
de informações. Em aulas puramente expositivas, transmite-se o o conteúdo, que,
posteriormente, é cobrado em uma prova - a maneira que as escolas encontraram
para mensurar o aprendizado. Isso é bastante curioso, porque as provas, em
geral, exigem que os alunos apenas reproduzam o que lhes foi “ensinado”, e não
que desenvolvam seu raciocínio, senso crítico e a habilidade de relacionar
fatos para tirar conclusões. Basicamente, na escola, os alunos são treinados
para memorizar informações e despejá-las em avaliações escritas.
Inibição da criatividade
As escolas
instituem desde o começo que serão feitas perguntas, e que cada pergunta admite
apenas uma resposta correta. Se o aluno não responde exatamente o que lhe foi
ensinado, ele errou. E é bom que não erre muitas vezes. Caso contrário, ele não
passará de ano. O aluno aprende que ele não tem liberdade para pensar fora da
caixa.
Conteúdos nem sempre relevantes
O cenário em
uma sala de aula é, quase sempre, o mesmo: alunos sentados durante várias horas
anotando o que o professor ensina. Não importa se o assunto lhes interessa ou
se terá utilidade no futuro. Na verdade, as escolas desperdiçam boa parte do
tempo e da energia dos alunos com assuntos desnecessários, quando poderiam
estar desenvolvendo habilidades relevantes para a vida pessoal e profissional.
As escolas
ensinam que a democracia surgiu na Grécia Antiga, mas não despertam nos alunos
o pensamento crítico para avaliar o nosso cenário político e tomar melhores
decisões. As escolas ensinam equações de segundo grau e logaritmos, mas não
instruem sobre noções básicas de economia ou finanças pessoais. As escolas
ensinam o que são dígrafos e sujeitos desinenciais, mas não formam pessoas que
saibam explorar os recursos da linguagem na hora de se comunicar com clareza.
Padronização do ensino
O ensino é o
mesmo para todos. Um aluno que se interessa mais por uma determinada área não
tem, dentro da maioria das escolas, a oportunidade de se aprofundar nela.
Alunos com capacidades e interesses distintos são agrupados simplesmente por
terem idades iguais, freando o desenvolvimento dos que têm mais facilidade e
ignorando as necessidades especiais dos que possuem dificuldades. Além disso,
as escolas conduzem o ensino sempre da mesma maneira, ignorando o fato de que
cada aluno se adapta melhor a um tipo de aprendizado: visual, auditivo,
cinestésico, entre outros.
Ao passar por
todas as falhas desse modelo educacional, as crianças não ficam ilesas de suas
consequências: redução da capacidade criativa, desprezo pelo ato de estudar,
pouca habilidade para pensar por si próprias, estresse e acúmulo de muitas
informações dispensáveis.
O mundo mudou,
mas as escolas continuam presas a décadas atrás. Ao invés de doutrinar os
alunos para se tornarem cidadãos obedientes e passivos, elas precisam
estimulá-los a pensar de maneira inovadora e lidar com problemas reais - que
são muito diferentes de um enunciado aguardando uma resposta decorada. Quando
isso acontecer, chegaremos ao cerne da resolução de boa parte dos problemas
contemporâneos.
E, quiçá, de
uma verdadeira revolução.
Reproduzido de Medium
Brasil
30 jan 2014
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