Eduardo Galeano: “O entusiasmo é uma
vitamina “E “ - de Entusiasmo
Depoimento de Eduardo Galeano na Praça Catalunya em 24 mai 2011, sobre as manifestações políticas na Espanha.
“O entusiasmo é
uma vitamina “E “– de Entusiasmo -, que vem de uma palavra grega que significa
“ter os deuses dentro”. E toda a vez que eu vejo que os deuses estão dentro de
uma pessoa ou de muitas, ou da natureza, ou das montanhas, ou dos rios, eu
digo: isso é o que me falta pra eu me convencer de que viver vale a pena. E que
viver está muito, muito, muito além das mesquinharias da realidade política
onde se ganha ou se perde… E da realidade individual, também. Ganhar ou perder
na vida… isso importa pouco! Em relação com esse outro mundo
que te aguarda. Esse outro mundo possível. Que está na barriga deste.
Vivemos um
mundo infame, eu diria. Não nos incentiva muito… Um mundo mal-nascido. Mas
existe outro mundo na barriga deste. Esperando… E é um mundo diferente.
Diferente e de parto complicado. Não é fácil o seu nascimento. Mas com certeza
pulsa no mundo que estamos. Um outro mundo que “pode ser”, pulsando no mundo
que “é”. Essas manifestações espontâneas na Espanha são prova disso. E alguns
me perguntam: “Mas o que vai acontecer?! E depois?! O que vai ser?!” E eu
simplesmente digo o que nasce da minha experiência: Bom… Nada. Não sei o que
vai acontecer. E não me importa o que “vai” acontecer. Me importa o que “está”
acontecendo. Me importa o tempo que “é”. E o que “é” é o tempo que se anuncia
sobre outro possível que acontecerá. Mas o que acontecerá no fim, não sei.
É como se me
perguntassem quando me apaixono, quando vivo uma experiência de amor a fundo de
verdade, quando sinto que vivo e não me importo se morrerei nesse momento
mágico de amor, quando acontece. Pois então… O amor é assim! “É infinito
enquanto dura”. E é importante que seja infinito enquanto dura. Não temos que
planejar tudo como se estivéssemos fazendo o balanço de um banco. Assim:
“Dívida, balanço, saldo. Estatísticas, probabilidade. O que nos espera?”. E o
que me importa a merda que nos espera?
Esses
tecnocratas de quinta categoria… são uns ignorantes! Não sabem nada de nada
(“un carago de nada!”) e ganham uns salários imensos! E, em cada crise que eles
desatam, acabam aumentando suas fortunas! Porque são recompensados por essas
façanhas que consistem em arruinar o mundo! Esse é um mundo ao contrário: que
recompensa os seus arruinadores ao invés de castigá-los. Não tem nenhum preso,
entre os banqueiros que promoveram, provocaram essa crise no planeta inteiro.
Nenhum preso! E, por outro lado, há milhares de presos por terem consumido
maconha! Ou por terem roubado uma galinha! Milhares de presos! É o mundo do
avesso! Um mundo de merda! Mas não é o único mundo possível. E cada vez que eu
me junto a essas concentrações lindíssimas com os jovens, penso: Há um outro
mundo que nos espera.
Esse mundo de
merda está grávido de outro. E são os jovens que nos levam para frente. Esses
jovens excluídos pelas seleções regidas pelos interesses dos partidos
políticos, nos quais eles já não votam! Eu tô chegando agora da América do Sul.
Os jovens chilenos não votaram lá no Chile. 2 milhões de jovens chilenos não
votaram! Não votaram porque não crêem na democracia que oferecem a eles. E
quantos jovens não votaram na Espanha? Não sei. Nem foram contados. Mas, dentro
dos 10 milhões de espanhóis que não votaram, deve haver muitos jovens. E não é
que não acreditem “na” Democracia. Não! O que acontece é que não acreditam
“nessa” democracia manipulada, nesse nome seqüestrado pelos banqueiros, pelos
políticos mentirosos – “artistas de circo” que oferecem uma pirueta diferente a
cada dia.
Havia um velho
político no Uruguai, morreu há muitos anos, que não era revolucionário nem
nada, era um político do sistema, mas era um homem que conhecia a vida mais que
muitos outros. Chamava-se Herrera, falava fanhoso. Quando lhe ofereceram um
candidato, na lista do Partido Nacional, perguntado “o que você acha de
fulanito para senador?”, ele disse: “Não, não, não! Porque esse é um redondo!”
Ele chamava de “redondo” àqueles que ficavam “redondos” de tanto girar. Era
verdade! E na realidade política atual há uma imensa quantidade de “redondos”,
que ficam “redondos” de tanto dar voltas. E os jovens têm culpa de não
acreditar nos “redondos”? Ou são os “redondos” que têm culpa de os jovens não
acreditarem neles?
Bom, eu gosto
de estar aqui conversando, porque é disso que eu gosto: jogar conversa fora. Se
você tivesse me pedido para eu oferecer minha versão sobre o futuro da
humanidade, eu teria dito: não! Eu gosto de jogar conversa fora, conversar com
meus iguais, porque são iguais a mim. Porque somos todos iguais na luta por uma
vida diferente. E tomara que isso siga vivo, porque senão… pra que merda viver?
Se não for porque creio em algo melhor que isso? Mas não quero transmitir
nenhuma mensagem para a humanidade.
Eu estive aqui
conversando, me filmaram e tal… Tudo bem. Mais nada. Mais do que isso não
posso, porque não sou um guru de nada, nem sábio… Além disso, confesso: os
intelectuais me dão pena. Eu não quero ser intelectual! Quando me chamam de
“distinto intelectual”, eu digo: Não! Não sou! Os intelectuais são os que
divorciam a cabeça do corpo. Eu não quero ser uma cabeça que rola por aí. Sou
uma pessoa! Sou cabeça, corpo, sexo, barriga, tudo! Mas não um intelectual,
esse personagem abominável!
Como dizia
Goya: “A razão cria monstros”. Cuidado com quem somente raciocina! Cuidado!
Temos que raciocinar e sentir. E quando a razão se separar do coração, comece a
tremer. Porque esse tipo de personagem pode levar ao fim da existência humana
no planeta. Eu não vejo a vida como eles. Eu acredito nessa fusão
contraditória, difícil, mas necessária entre o que se sente e o que se pensa.
Então, quando aparece alguém que só sente, mas não pensa, eu digo: é um
sentimental. Mas quando só pensa e não sente, eu exclamo: Ai, que medo! Que
horror! Que coisa espantosa! Uma cabeça que rola!
Essa sabedoria
não me interessa mais. Me interessa a sabedoria que combina o cérebro com as
tripas. Que combina tudo! Sem esquecer nada! Porque a cabeça sozinha é muito
perigosa. É como o louvor ao dinheiro, um hino que se lança a cada dia. “Ah,
que maravilha a liberdade do dinheiro”. A liberdade dinheiro é inimiga da
liberdade das pessoas. Muito cuidado com o dinheiro livre. É muito pior que um
animal selvagem livre. Não! Dinheiro livre não! Foi isso o que provocou as
maiores catástrofes da humanidade.
O importante é
que nós, as pessoas, sejamos livres. E plenamente conscientes de que somos
parte da natureza. Esse foi o mandamento que Deus esqueceu: “Serás parte da
natureza. Obedecerás à natureza de que fazes parte”. Deus se esqueceu porque
estava ocupadíssimo… Mas está em tempo de recuperar isso.”
Postado por Cristiano Bodart . Café
com Sociologia
Reproduzido em
11 nov 2014
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